Fundação FEAC faz matéria sobre Seminário organizado pelo Neca:
Oitava edição do seminário sobre “Qualidade dos Serviços de Acolhimento de Crianças e Adolescentes”
O Neca – Associação de Pesquisadores e Formadores da Área da Criança e do Adolescente vai realizar, entre os dias 23 e 26 de novembro, a oitava edição do seminário sobre “Qualidade dos Serviços de Acolhimento de Crianças e Adolescentes”. Apoiado pela Fundação FEAC e com o tema “O(a) educador(a) social e seu impacto transformador na ação cotidiana”, o evento vai trazer profissionais de todas as regiões do Brasil e outros países, como Inglaterra, Israel, Suíça, Índia e África do Sul para discutir a importância dos educadores sociais no contexto dos abrigos institucionais e a necessidade de se qualificar esses profissionais.
O seminário se insere em uma discussão mais ampla sobre a qualificação e a valorização dos educadores sociais no Brasil, profissionais que têm papel fundamental no acolhimento institucional de crianças e adolescentes.
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) recomenda que os atendimentos sejam personalizados e em pequenos grupos nos serviços de acolhimento para crianças e adolescentes. O educador social, integrante da equipe de referência do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), é quem garante esse olhar mais atento.
Esse profissional é a pessoa mais próxima e presente na rotina de crianças e adolescentes em acolhimento, responsável por acompanhar as atividades do dia a dia, como alimentação, higiene, atividades lúdicas e saídas externas: ida à escola, serviços de saúde, passeios e outros, como definem orientações técnicas do Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS).
Além disso, segundo as orientações, o educador social é responsável por auxiliar a criança e adolescente a traçar um plano de vida, ajudando-o a lidar com a sua história, fortalecer sua autoestima e construir sua identidade.
Apesar de ter um papel tão importante, não é exigido nenhum tipo de qualificação prévia para exercer essa profissão além de segundo grau completo. William Ricardo Silva, 37 anos, é educador social há oito anos e um dos palestrantes do seminário, e fala sobre a falta de preparo: “Eu aprendi dentro do local de trabalho, com as crianças, adolescentes e com os educadores que estavam lá na época. Infelizmente, a gente não entra capacitado.”
Além da rotina
O papel do educador social transcende os cuidados rotineiros. O seu olhar precisa ser qualificado para lidar com as emoções e singularidades de cada criança e adolescente, segundo Renato Franklin, líder do Programa Acolhimento Afetivo, da Fundação FEAC.
“O educador social atua não apenas em funções de suporte, mas é responsável pela educação fora do ambiente escolar (educação não formal), trabalhando questões como a autonomia e o protagonismo da criança e do adolescente”, explica Renato.
William trabalha em um abrigo municipal de Campinas, onde vivem 14 crianças e adolescentes. Ele ressalta que o educador social é a ponte entre crianças e adolescentes e o mundo fora dos abrigos, reforçando laços sociais e comunitários. Uma ida ao centro comercial, por exemplo, é mais do que um passeio – torna-se uma oportunidade para meninos e meninas aprenderem a lidar com o dinheiro.
“Nós tentamos fazer com que eles entendam seu papel dentro da sociedade e consigam aprender o que precisam. Por exemplo: por que é importante ir à escola? Por que é importante se relacionar com o colega que está no abrigo? São coisas que parecem bobas, mas para uma criança que está fragmentada, que teve seus direitos violados, como ela vai aprender isso?”, questiona William.
O trabalho do educador social, portanto, impacta diretamente as trajetórias de vida de crianças e adolescentes que vivem nos abrigos. “Esses profissionais precisam trazer conhecimentos específicos do campo de direitos humanos, sociais e educacionais”, pontua Renato.
Qualificação e valorização
O educador social é um profissional de nível médio, segundo resolução do Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS). Ou seja, não é exigida formação superior. Isso leva a um debate: esse profissional recebe a qualificação necessária para exercer sua função?
“No Brasil, nós temos um grande equívoco de achar que essa profissão é de ‘segunda classe’, afinal não exige nível superior. Por trás disso, existe um grande preconceito de classe e de grau de educação”, diz Dayse Bernardi, psicóloga, pesquisadora do Neca e uma das coordenadoras do seminário.
“O fato de uma criança ou adolescente ser acolhido é uma medida excepcional e muito complexa, então a qualificação das ações de cuidado precisa ser extremamente buscada e efetivada”, analisa a pesquisadora.
Apesar da falta de exigências acadêmicas, Renato, da FEAC, destaca que hoje a maioria desses profissionais são formados em pedagogia, psicologia, assistência social ou na área da cultura. “Vejo que tem muito educador social que traz a pedagogia como instrumento primordial na rotina”, destaca.
Para mudar a situação, o educador social William defende que a profissão deve ser regulamentada o quanto antes. Existem no Congresso Nacional dois projetos de lei (PL 2676/19 e 2941/19) que buscam reconhecer o exercício profissional do educador social.
“A nossa profissão não tem o seu merecido reconhecido. O nosso trabalho não é muito visível, então investir em abrigo é como se não tivesse valor”, analisa o educador.
William também acredita que educadores sociais devem ter uma formação contínua, com supervisões e troca de experiência. “Quando as pessoas se sentem vistas, elas se desenvolvem de uma forma muito melhor.”
Dayse concorda: “Eu acredito que não se trata, necessariamente, de ter o ensino superior, porém há a necessidade de uma formação específica, que deve abranger temas como ações de cuidado, proteção e educação. O próprio serviço de acolhimento e a política municipal de assistência social deveriam oferecer essa oportunidade de aperfeiçoamento contínuo para os educadores.”
Seminário
Com 30 horas de atividades, o seminário, cujas inscrições vão até o dia 15 de novembro, vai evidenciar as ações dos educadores sociais que, junto às equipes técnicas, recriaram os serviços de acolhimento no período de pandemia (saiba mais no quadro abaixo). O evento propõe somar experiências e criar um canal de comunicação permanente entre os educadores. Crianças e adolescentes em acolhimento também vão ter suas vozes ouvidas.
Entre as discussões, está o fortalecimento da convivência familiar no período que a criança ou adolescente está em acolhimento. Também será debatido como fortalecer a autonomia dos adolescentes para quando tiverem de deixar o abrigo. Questões de gênero, etnia e crianças e adolescentes com deficiência em acolhimento também serão pauta.
Assim como em 2020, o evento vai ser on-line, com palestrantes de todas as regiões do Brasil e convidados internacionais, a fim de estabelecer troca entre profissionais de serviços de acolhimento de vários países. “Que os educadores possam, na troca de experiência e na escuta mútua, perceber o quanto eles são importantes no mundo todo”, diz Dayse.
William considera que experiências como seminários fazem parte da formação contínua do educador social: “O primeiro [seminário] internacional que participei me marcou para vida. São aprendizados que a gente leva para o nosso trabalho.”
Para conferir a programação completa, informações sobre valores e realizar a inscrição, acesse: https://doity.com.br/viii-seminario-neca
Como a pandemia impactou o trabalho dos educadores sociais? |
Educadores sociais precisam lidar com emoções complexas de crianças e adolescentes que passaram por alguma ruptura nos vínculos familiares. São desafios que se intensificaram com a pandemia de Covid-19.
“Nós estamos falando de contexto de vulnerabilidades, rompimento de vínculos e até mesmo violação de direitos. São crianças e adolescentes que muitas vezes estão no cenário de evasão escolar e com a pandemia isso se agravou”, destaca Renato Franklin, da FEAC. O Neca realizou, em 2020, uma pesquisa com educadores sociais que trabalham em abrigos em todo o país. Os três maiores desafios elencados por eles foram: 1º – Estratégias para manter a rotina das crianças e adolescentes, sem saídas externas (43,3% dos respondentes) 2º – Manter e acompanhar atividades escolares, lúdicas e de entretenimento (24,6%) 3 º – Lidar com questões emocionais dos acolhidos (20,1%) “Muitos educadores se desgastaram além da conta, porque estava bem pesado lidar com todas as demandas: as escolas fechadas, as aulas on-line, a restrição de saídas e passeios… tudo se concentrou num local só”, relata o educador William Silva. |
Por Laíza Castanhari
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